AQUELE SOBRE NOSTALGIAS E IDENTIDADE CULTURAL
Não sou muito de assistir séries, mas quando vi essa produção brasileira na Netflix, me dei ao luxo de maratonar!
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Direção: Luis Pinheiro e Julia Jordão |
Vivemos o tempo da nostalgia, onde todas expressões artísticas parecem fortemente remeterem a alguma década não muito remota, pois tem sido marcante a recorrência dos anos 80 e 90 em nossas vidas. Evidentemente no campo da moda é algo sempre recorrente e comum, assim como na música, com algumas referências. Mas com as séries e filmes, hoje, não se trata de técnicas e estéticas da época, mas retratar tal época vem se mostrando em produções como Stranger Things e Everything Sucks. Nem tanto pelo saudosismo de somente alguns poucos, cada vez mais pessoas que nem viveram a tal época conseguem sentir tal sentimento nostálgico. Eu sou assim.
Adoro os anos 80, ainda que a TV da época me assuste um pouco, não só depois de ter visto os produtos audiovisuais brasileiros recentes, mas desde que meus pais me mostraram o que gostavam quando eram crianças, me causava arrepios. Só que tenho uma certa paixão por essa época, apesar de sua estranheza. E é nesse clima nostálgico (da geração e dos dias que tenho vivido ultimamente), que vamos falar de Samantha!, a nova série brasileira da Netflix.
Milimetricamente calculada e formulada,
com sete episódios de 30 minutos cada, lançaram essa série que retoma um pouco
da era de ouro da TV brasileira e sua atual decadência. Dois extremos, diria,
quando hoje já quase não nos submetemos aos conteúdos da televisão, quando
temos YouTube e outros serviços de streaming, de acordo com nossa vontade e na
hora que quisermos, sem perder nada. Na época em que Xuxa e Simony eram grandes
influências, hoje temos muitos youtubers, um paralelo bem claro na série, entre
as personagens Samantha (Emanuelle Araújo) e Laila (Lorena Comparato).
A televisão continua a ser uma grande fonte de propagação cultural, mas reconhecemos sua decadência entre os jovens e por seu conteúdo, às vezes pouco chamativo, num geral. Na série, vemos os casos bem famosos que conseguimos relacionar com a atual TV brasileira, com o famoso Enjaulado Kids e o reality show de Flávio Jr (não é Fábio, Flávio! Há muitos outros trocadilhos e piadas ao longos dos episódios).Retratando diversos elementos que conhecemos e fazem parte da nossa cultura, ainda que restrito à televisão. E para mim, é a partir daí que encontro algo que precisamos discutir: nossa identidade audiovisual.
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"Samantha!, com exclamação no final" |
No post anterior mencionei brevemente o vídeo Vancouver Never Plays Itself. Devido diversos incentivos fiscais para produções audiovisuais, muitas produtoras usam a cidade como locação, raramente como cenário. Na indústria cinematográfica economizar dinheiro é crucial, então, muito compreensível. No entanto, até onde podemos levar a falta de referência para uma nação de algo que envolva sua cultura, não só hoje, mas no futuro, também? Esse vídeo toca levemente no que tange a identidade cultural de uma nação que, na atualidade, consome audiovisual mais do que nada em filmes, série e internet. Além disso, ele traz uma questão, de como numa era em que o cinema é tão globalizado ainda vemos nas telas as mesmas paisagens (São Francisco, Chicago, Nova Iorque, Tóquio...) e nunca outros locais. (Assista ao vídeo, configurando para legenda em português).
“Filmes podem reservar um lugar ou tempo particular. Não como um documentário, mas como uma história ficcional que retrata a realidade. E o lugar merece mais do que uma piada qualquer.” - Every frame a Paiting
E por isso, acho que a terceira série
brasileira da Netflix carrega sua
importância. Não, não é revolucionária no tema, já tratado como crítica em Bingo – o Rei das Manhãs (Daniel
Rezende). Mas, ela carrega consigo muito de nossa cultura, desde crenças,
teorias da conspiração e outras referências, que dificilmente encontramos em
produções internacionais por não retratarem o Brasil. E ela consegue arrancar
alguma risada sua, por ser uma sitcom
(série de comédia de situação), não só
pela força dos personagens, mas pela identificação que gera, conhecemos e
entendemos tudo de primeira. Diferente das referências que aparecem em séries
como Friends e Chaves que exigem, por vezes certa pesquisa para compreendermos.
Não, não estou colocando as três séries em pé de igualdade, só o papel que elas
expressam para sua respectiva cultura.
Nós consumimos e não devemos parar de
consumir o produto audiovisual estrangeiro. Só que até quando vamos conseguir
manter nossa essência sem consumir aquilo que integra o nosso dia a dia? Desde
crianças, quando vemos as escolas americanas e brincadeiras que nunca fomos
ensinados, até a fase adulta, que mesmo com a globalização, nossas condições no
Brasil, em sua maioria, nos permitem só idealizar o copo de Starbucks e andar
de táxi diariamente e sem preocupações... Ainda que fosse tranquilo isso acontecer, não nos representa na integridade.
E, assim, mesmo sem ter vivido a história
da fama, nos relacionamos bem com Dodói (Douglas Silva), desempregado e
fanfarrão, e Samantha (Emauelle Araújo), mãe solteira de dois filhos e muito determinada, os
personagens principais da trama.
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Dodói e Samantha |
A história de Samantha, que se impulsa
por seu passado, pois quando criança apresentava um programa de auditório com
dois garotos, Tico (Rodrigo Pandolfo) e Bolota (Maurício Xavier), juntos formavam a turminha Plimplom (quase um
Balão Mágico, se for relacionar), quando era famosa. Mas, em 2018, vive de sua
subfama, com filhos, um casamento atrapalhado, uma cota limitada de fãs e
batendo na tecla de que ainda pode viver daquilo que fazia bem quando criança, cantar
as músicas dos Plimplons, grupo que achava ser a estrela, como em tudo de sua
vida. E ainda tem Dodói, seu marido, que é ex-jogador de futebol e já passou
anos como detento. Ambas carreiras que se tornam, ou no caso deles, tornaram-se inadequadas para quem exerce, por conta do tempo e os colocam na subfama e com dificuldades de se
inserir no mercado ou se reinserir em algo. Ela, que ainda acha que se encaixa
na televisão, apesar de ouvir diversas vezes que esta morreu, não desiste de realcançar a fama, algo muito interessante de acompanhar ao longo dos episódios. A personagem tem seu ideal, o que ela
viveu nos anos 80, a nostalgia de como as coisas eram antes. Ele, vive o fato
de estar mais velho, não estar em forma, pelos anos que passou preso, e querer
voltar a jogar futebol. Conhecemos diversos casos como estes, que não vêm ao
caso citarmos...
E quando falei de Bingo - o Rei das Manhãs anteriormente, vemos leves semelhanças com o tratamento da TV
brasileira dos anos 80, só que dessa vez, de maneira menos biográfica e mais de
um aspecto geral. O politicamente incorreto da época em diversos aspectos,
desde propagandas que surgiam misticamente no meio do programa, com
apresentações musicais, dançarinas com roupas vulgares, figuras estranhas a um
programa infantil, como o Zé Cigarrinho (Ary França), e discos tocados ao contrário. Temos a
pincelada ideal para quem se lembra e para quem nunca viveu isso. Hoje,
felizmente, vemos a programação infantil consciente e mais condizente com o
público.
Com críticas à televisão, ao fenômeno dos
web influencers e seus poderes, crianças precoces e a fama num geral, além de
outras observações sutis, a série passa num estalar de dedos. Com a trama
envolvente e com boas referências, momentos engraçados e irônicos, rende uma
boa maratona. O ótimo trabalho da direção de arte, com cores vibrantes e a
caracterização bem fiel, na minha opinião, trazendo certa veracidade e caráter
documental nos flashbacks. Com as músicas e vídeo clipes muito relacionados com
o que se fazia na época, com canções que não sairão de sua mente. Canto mentalmente
o toque de celular de Samantha: era um
disco multicor, um disco voador!
Apesar das críticas apontarem um fraco
roteiro em certos aspectos, principalmente no que envolve o crescimento da
personagem principal, ela se torna relevante por ter seu toque de qualidade,
diferente do que estamos acostumados, mesmo com seu aspecto televisivo e de
filmagens com cenários (sempre em set). Talvez, Samantha!, criado por Felipe
Braga, venha dar um gostinho, como as outras duas séries do Netflix fez, para alguns superarmos a repulsa às produções
brasileiras, ainda que algumas
pessoas ainda se recusem a assistir em português... Pois uma coisa esse serviço
de streaming garante, ao produzir conteúdo nacional, em qualquer país que seja,
que este desperta curiosidade no estrangeiro e tem audiência. Então, se o
brasileiro não estiver a fim de apreciar, haverá quem aprecie. Pois a segunda
temporada já está garantida para lançamento em 2019!
Confiram o vídeo clipe da Turminha Plimplom:
Até a próxima olhada!
Agradecimentos: Fernanda, que topou assistir a série para discutirmos sobre os temas abordados nesse post. Mãe, por ter maratonado comigo. E Dani, que sempre lê o que eu escrevo!
Espero que vocês tenham gostado do post! Nos conte se você já assistiu à série, se ficou curioso e qual sua relação com conteúdos brasileiros. Sintam-se livres para fazer isso pelos comentários aqui no blog ou pelas redes sociais, Facebook ou Instagram! Quero muito ouvir de vocês sobre as produções brasileiras, que ainda estou em processo de "aceitação", pois venho mudando minha opinião aos poucos.
“A série, para virar universal, tem que ser local”, explica o criador Felipe Braga em entrevista à GALILEU. “Foi o que fizemos com Samantha!: criamos uma história que parece muito brasileira, mas tem os mesmos personagens do entretenimento da década de 1980 que outros países.” (Leia na íntegra no site da Galileu).
Confiram o vídeo clipe da Turminha Plimplom:
Até a próxima olhada!
Agradecimentos: Fernanda, que topou assistir a série para discutirmos sobre os temas abordados nesse post. Mãe, por ter maratonado comigo. E Dani, que sempre lê o que eu escrevo!
*IMAGENS DE DIVULGAÇÃO
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